O
desembargador James Magno Araújo Farias, do Tribunal Regional do Trabalho da
16ª Região (MA), determinou em medida liminar, concedida na tarde desta
terça-feira (26), que o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários
no Estado do Maranhão (Sttrema) se
abstenha de paralisar, total ou parcialmente, por empresa ou não, a
operação pública de transporte coletivo de passageiros (urbano e semi-urbano),
devendo manter integralmente a frota operante na grande São Luís, mesmo que as
empresas tenham somente o motorista para efetuar as funções de motorista e
cobrador.
O
descumprimento da decisão acarretará aplicação de multa de R$ 50.000,00 por dia
de paralisação. O desembargador também declarou, desde já, a ilegalidade da
paralisação e/ou ameaça de paralisação.
James
Magno analisou pedido feito na ação declaratória cumulada com pedidos de tutela
inibitória e de medida liminar apresentada pelo Sindicato das Empresas de
Transporte de Passageiros de São Luís (SET) contra o Sttrema. O sindicato
patronal ajuizou a ação após recebimento do Ofício nº 213/2022 assinado pelo
presidente do sindicato dos trabalhadores e recebido em 13.07.2022, com a
solicitação de que todas as empresas de transporte coletivo acatassem a
disposição da Lei Municipal nº 6.801/2020, publicada no Diário Oficial do
Município de São Luís no dia 18 de fevereiro de 2022, em 72 horas, que proíbe a
cumulação das funções de motorista e cobrador, advertindo sobre a possibilidade
de deflagração de greve geral da categoria e por tempo indeterminado caso não
fossem cumpridas as disposições da nova lei.
O
SET alegou, entre outros pontos, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº
6.801/2020, que em seu parágrafo 1º proíbe as concessionárias/permissionárias
de transporte coletivo de passageiros de contratarem ou designarem motoristas
de ônibus ou microônibus para acumular a função de cobrador, com diversas
penalidades dispostas nos parágrafos seguintes às empresas que infringirem tal
normativo.
Conforme
o SET, a lei municipal fere competência legislativa quanto à matéria direito do
trabalho, que é de competência exclusiva da União. Além de pleitear que fosse
declarada previamente a abusividade e a ilegalidade da ameaça de greve anunciada,
além de outros pedidos.
Ao
deferir a liminar, o desembargador observou que, nos termos da legislação
municipal, as concessionárias de transporte público de São Luís, Paço do
Lumiar, Raposa e São José de Ribamar ficam obrigadas a dispor de um funcionário
para exercer a função de cobrador em todas as linhas, sendo vedado ao motorista
o acúmulo dessa função. Porém, ressaltou que a Constituição da República
estabeleceu como critério ou fundamento de repartição de competência entre os
diferentes entes federativos o denominado princípio da predominância do
interesse. Dentre o rol das competências atribuídas aos entes municipais, tanto
a Constituição da República (artigo 30, incisos I e II), quanto a Constituição
do Estado do Maranhão (artigo 147, I e II), asseguram aos Municípios a
possibilidade de legislarem sobre “assuntos de interesse local”, assim como a
suplementação da legislação federal e a estadual no que couber.
“Entretanto,
ainda que a questão tratada nestes autos seja nitidamente de interesse local,
os Poderes Legislativo e Executivo devem obediência às regras de iniciativa
legislativa reservada, fixadas constitucionalmente, sob pena de desrespeito ao
postulado da separação dos poderes, expressamente previsto no artigo 2º da
Constituição da República e no artigo 142 da Constituição Estadual. Dessa
forma, a competência de dispor sobre assuntos que interessam exclusivamente à
municipalidade não é atribuída indistintamente aos Poderes Legislativo e
Executivo, uma vez que há matérias de iniciativa exclusiva do Prefeito, motivo
pelo qual não se pode concluir que a Câmara Municipal pode deflagrar todo e
qualquer projeto de lei, ainda que se trate de norma de interesse dos
munícipes”.
James
Magno afirmou que após minuciosa análise dos autos, vislumbrou hipótese de
inconstitucionalidade da lei impugnada, “pois a matéria nela tratada envolve
organização e atividade do Poder Executivo, competindo privativamente ao
Prefeito Municipal, conforme artigo 158, II, da Constituição Estadual, devido a
sua natureza excepcional, vez que são taxativas as hipóteses de iniciativa
privativa do Poder Executivo para a instauração do processo legislativo, não
sendo enquadrada em tais exceções lei que versa acerca de transporte coletivo
municipal”.
Além
disso, o desembargador salientou que o Supremo Tribunal Federal firmou
orientação no sentido de que compete ao chefe do Poder Executivo a iniciativa
de leis que interfiram na gestão de contratos de concessões de serviços
públicos.
“Anota-se
que o desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo legislativo, que resulte
da usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício que não
admite convalidação pela ulterior aquiescência do Chefe do Poder Executivo”.
Para
o desembargador, a iniciativa parlamentar de lei que trata de serviço público,
em especial no que diz respeito ao transporte coletivo urbano, significa
indevida ingerência do Poder Legislativo na atuação privativa do Poder
Executivo, constituindo violação ao princípio constitucional da reserva da
Administração e, por conseguinte, ao princípio da separação dos poderes.
James
Magno disse que a nova lei cria a obrigação de não fazer para as
concessionárias, enquanto empregadoras,
consistente na impossibilidade de requerer aos motoristas por ela
contratados que efetuem a cobrança da tarifa da passagem. Porém, salientou que
as “concessionárias de transporte coletivo devem observância às normas
federais, tal como a Portaria n. 397/2002, do Ministério do Trabalho, que trata
da Classificação Brasileira de Ocupações e, no tocante ao cargo de motorista de
ônibus urbanos, metropolitanos e rodoviários, prevê que a esses profissionais
também incumbe controlar o embarque e desembarque de passageiros e a realização
de procedimentos no interior do veículo”.
Ele
também citou entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, com fundamento no
artigo 456 da CLT, que a atribuição de receber passagens é compatível com as
condições contratuais do motorista de transporte coletivo, “o que corrobora a
conclusão pela impossibilidade de o tema ser tratado por legislação municipal
vez que atinente ao Direito do Trabalho”.
O
desembargador também se embasou em decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a
matéria.
“Diante
dessas considerações, decido acolher a arguição de inconstitucionalidade para,
incidentalmente, declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 6.801/2020, do
Município de São Luís”.